DESAFIOS: Reeleita, Dilma deverá criar fórmula para reajustar o mínimo
Cálculo atual aumentou renda do brasileiro, mas termina em 2015.
Economistas veem ganho social, mas alertam para impacto no Orçamento.
Uma das tarefas que aguarda a presidente reeleita Dilma Rousseff ainda em 2015 é a definição de uma fórmula para o reajuste anual do salário mínimo a partir de 2016. Desde 2007, o aumento corresponde à inflação do ano anterior mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Essa equação foi oficializada numa lei em 2011, mas a validade termina no ano que vem, quando uma nova proposta deverá ser enviada pelo Executivo ao Congresso.
O G1 publica até esta quinta (30) uma série de reportagens sobre cinco desafios que o futuro presidente terá de enfrentar durante o mandato. Os outros quatro temas são infraestrutura, Olimpíadas, apoio no Congresso e indicações de ministros para o STF.
A atual fórmula, no entanto, divide os economistas. Enquanto alguns avaliam que ela trouxe ganhos sociais e aquecimento do mercado interno, outros consideram que o impacto sobre as contas do governo diminui os recursos para outras áreas e, junto com outros fatores, pode até mesmo ameaçar o controle da inflação.
A política de reajuste foi implantada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em acordo com centrais sindicais para dar aumento real à renda dos trabalhadores, com índices sempre maiores que a inflação. Isso vem sendo feito desde 2003, quando o mínimo passou de R$ 200 para R$ 240. Desde então, descontada a inflação, houve aumento real de 72,3%, até os atuais R$ 724. Para o ano que vem, o salário deve ficar em R$ 788.
Um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), ligado ao movimento sindical, mostra que o atual salário mínimo é suficiente para comprar 2,2 cestas básicas, medida que tem crescido ano a ano desde 1995 (veja gráfico ao lado).
Só neste ano, a entidade estima que os R$ 46 adicionais ao valor do ano passado (que era de R$ 678) injetará R$ 28,4 bilhões de renda na economia, no bolso de 48,2 milhões de pessoas cujo rendimento é equivalente ou referenciado no salário mínimo. Esse contingente, em sua maioria trabalhadores, servidores públicos ou pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), deve pagar R$ 13,9 bilhões em tributos para o governo.
Um dos coordenadores do Dieese, o economista Airton Santos afirma que a relevância do reajuste é mais visível no interior do país que nas grandes cidades, onde um número bem menor de pessoas ganha o mínimo. Ele explica que a relevância para a economia do país se dá pelo que chama de "efeitos dinâmicos".
"Quem recebe o salário mínimo não poupa, usa toda sua renda para consumo ou até mais, quando consegue crédito. Então, esse reajuste volta imediatamente para a economia e volta para o setor de produtos e serviços que essa classe consome. Esses setores que produzem bens populares também são beneficiados", diz Santos.
Para ele, grande parte do crescimento que o Brasil alcançou nos últimos anos deve-se ao reajuste do salário mínimo e a outras políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família. "Isso volta para a economia. Esse crescimento não depende muito do comércio externo, que anda em depressão, mas do mercado interno", argumenta.
Se injeta mais dinheiro no mercado, o aumento do mínimo também gera mais gastos para o poder público. Na esfera federal, isso ocorre porque crescem na mesma proporção benefícios da Previdência, abono salarial (pago uma vez ao ano para quem ganha até dois salários mínimos), seguro-desemprego (pago até cinco vezes para quem foi demitido), benefícios da Assistência Social e a renda mensal vitalícia (para idosos e inválidos de baixa renda).
As previsões oficiais do governo indicam que, neste ano, o aumento vai gerar uma despesa extra de R$ 14,1 bilhões; no ano que vem, serão gastos R$ 22,3 bilhões adicionais. O crescimento se deve a um reajuste maior e à ampliação no número de beneficiários. Se forem somados os salários pagos pelos governos estaduais e municipais, a conta do aumento chega a R$ 25 bilhões.
Cálculos do economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas e crítico da atual fórmula, indicam que o gasto total atrelado ao salário mínimo, somado ao pagamento do Bolsa Família, chega a R$ 245 bilhões, o que equivale a 27% do gasto total do governo em um ano, de R$ 914 bilhões. O gasto com o mínimo também representa 4,6% do PIB.
Mas, considerando que o governo também paga servidores públicos ativos e inativos, além das demais pensões da Previdência, a conta do que ele chama "grande folha de pagamento" consome 72,5% dos recursos federais.
"Por isso, o Orçamento é muito rígido. O drama é que a grande folha de pagamento se amplia com crescimento do PIB e o maior número de pessoas. Com isso, a fatia dos outros gastos – com saúde, educação, segurança, transporte, investimentos, manutenção, etc – vai ficando menor", avalia.
Raul Velloso prevê que, se continuar crescendo no mesmo ritmo, o gasto público com salário mínimo, benefícios previdenciários e assistenciais e com servidores chegue a 147% da receita em 2040, algo impensável. Mesmo que isso não ocorra, um efeito colateral do aumento do dinheiro na economia, sem capacidade de aumentar a oferta de bens, é a inflação. "Se você subir o gasto além do tamanho que pode, vai pressionar os preços, e a hiperinflação corrói os aumentos concedidos".
Soluções
Raul Velloso defende que a diminuição desses gastos se dê por uma reforma, com efeitos a longo prazo. Sugere não só a mudança na fórmula de reajuste do salário mínimo, que passaria a ser corrigido pela inflação mais o PIB per capita, mas também a eliminação do abono salarial, proibição de qualquer pessoa se aposentar com menos de 65 anos e redução nas pensões do INSS.
Raul Velloso defende que a diminuição desses gastos se dê por uma reforma, com efeitos a longo prazo. Sugere não só a mudança na fórmula de reajuste do salário mínimo, que passaria a ser corrigido pela inflação mais o PIB per capita, mas também a eliminação do abono salarial, proibição de qualquer pessoa se aposentar com menos de 65 anos e redução nas pensões do INSS.
"O cidadão não vai gostar de nenhuma dessas propostas – irá dizer: 'Vai me ferrar'" –, reconhece Velloso. "Mas nós vamos evitar uma nova onda de hiperinflação no Brasil, porque esses gastos não cabem no PIB. Não temos bala para pagar tudo isso, os preços sobem", alerta o economista.
A saída mais imediata para os candidatos, na visão de Velloso, é tentar aumentar a receita do governo, com mais arrecadação de tributos, de preferência pelo crescimento econômico.
"Se o PIB continuar crescendo entre 0% e 0,1%, a receita a 2% e o gasto a 7%, estaremos caminhado para uma nova crise fiscal, em que a dívida pública voltaria a subir, o que eleva juros e câmbio."
Estudioso das contas públicas, o economista Bráulio Borges, da LCA Consultoria, concorda que no médio prazo seja necessária uma mudança na fórmula de reajuste, considerando o aumento do custo para o governo por causa do crescimento da população idosa dependente do INSS.
No curto prazo, segundo ele, algumas das opções seriam: cortar os chamados "gastos discricionários", como manutenção de repartições, passagens aéreas, diárias de viagens, material, etc., que consomem cerca de R$ 180 bilhões por ano; cortar investimentos públicos em infraestrutura, passando essa conta para o setor privado, com ampliação de concessões públicas para rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, etc; ou cortar investimentos em setores como saúde (R$ 109,2 bilhões em 2015), educação (R$ 101,3 bilhões) ou no Minha Casa, Minha Vida (R$ 19,3 bilhões).
"O investimento é mais fácil de resolver, delegando para o setor privado. Concessões e PPPs [parcerias público-privadas], coisa que já começou a acontecer de 2012 para cá, mas que pode reforçar isso. Isso alivia uma parte importante do gasto que o governo faz. No caso de saúde e educação, não tem como repassar. Então, teria que melhorar a eficiência, fazer cada real valer mais", diz o economista.
"O investimento é mais fácil de resolver, delegando para o setor privado. Concessões e PPPs [parcerias público-privadas], coisa que já começou a acontecer de 2012 para cá, mas que pode reforçar isso. Isso alivia uma parte importante do gasto que o governo faz. No caso de saúde e educação, não tem como repassar. Então, teria que melhorar a eficiência, fazer cada real valer mais", diz o economista.
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